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Letra nos olhares
Segundos de uma amadora
*... como a última a finar. :)
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“Deixando o jardim aparado e provisões para uns dias, o jardineiro tirou umas férias do cuidado prestado durante meses àquelas plantas, flores e árvores, do maior ao mais pequeno ser naquele paraíso terrestre. Rigel tem então, agora, o seu primeiro grande teste de planta madura, crescida, tendo de aguentar, sozinho, os dias que se avizinham, à primeira vista sombrios e frios, mas que poderão ser bastante úteis para superar a grande barreira que lhe falta – tirar as talas que o limitam, superando-se. No meio daquele tapete agora verde, sem ervas daninhas, o nosso pequeno pé de amora vê-se entregue por momentos ao desespero, desacreditando a força que efectivamente tinha ganho, ao crescer saudável e seguro. Tinha sido plantado por deuses, criaturas imunes aos problemas mesquinhos de humanos, com uma sensibilidade diferente e uma harmonia perfeita. Transmitiram para a plantinha todo o saber de anos de guerras e tempestades que tinham passado em ferozes combates, em tempos remotos, separados, dando-lhe a liberdade para crescer sã e feliz, no seu espaço, sem que os pequenos obstáculos a assustassem, ou pusessem em perigo a sua existência. Nunca tinha sido, por isso, problemático, depressivo ou mesquinho, sentia-se bem, tranquilo e calmo e como sempre, não se iria deixar sucumbir, com certeza, à primeira grande provação.
Levantou então a cabeça, trauteando o “Don’t Panic”, dos Coldplay, música que ouvia na companhia do jardineiro, profissional agarrado sempre a um pequeno rádio, criando a banda sonora dos seus encontros, e da sua vida. Fechou os olhos, e imaginou-se na sua aventura diária, em busca do líquido mágico, na posse do Munch, que vivia preso em armadilhas de pensamentos, com uma nuvem negra, quase como a de um adolescente complicado. Sabia que em confronto directo, as magias e artes místicas de uma paz e confiança divinas transmitidas pelos pais, dariam a Rigel a força para vencer, mas tinha ainda um longo percurso, e o pé de amora, como sempre, tinha sido forte para escolher o mais arriscado, mas mais prazeiroso também.
Tendo então prosseguido o caminho que já conhecemos, Rigel vê-se parado, a estabilizar a respiração, rodeado de vegetação densa, cujo final não consegue ainda discernir. Sem entender o porquê, no meio de mangueiras e fortes plantas tropicais, cujo nome nem consegue dizer, coexistem fetos e pinheiros mansos, arbustos de um clima muito diferente, revelando que tudo é possível para um pequeno pé de amora. Decide dar um passo de cada vez, sem se preocupar com o que virá a seguir, crente que quando tiver de decidir, saberá sozinho escolher o único lado que o levará ao paraíso, e que não o deixará morrer. Recorda os momentos em que a ajuda da lagartixa e de outros seres, dos quais se tornara, ao longo da sua vida, muito amigo, e a força dos deuses foram essenciais para continuar em frente, mesmo quando , angustiado, olhava para trás freneticamente, pronto a fugir dali o mais rápido que pudesse. Agradecia enquanto levantava a raíz dura para prosseguir mais um metro, mais uma etapa, indiferente aos olhos que, no meio da imensidão o fitavam. Não fora assim que o haviam criado, e não desapontaria ninguém.”
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“Afastado do mundo dos sonhos por uns tempos, onde o encontrámos pela última vez, Rigel andou entretido na época de podas e cuidados especiais para o seu crescimento. Nessa altura, adorava entrar sem ser visto nas brincadeiras dos filhos do jardineiro que, no Verão, acompanhavam o pai na demanda por um espaço mais bonito, mais seguro, sem ervas daninhas ou fetos secos que ameacem o seu futuro. Pensava em si como o melhor guarda-redes nos jogos de bola, como o melhor guerreiro intergaláctico, fosse isso o que fosse, naquele palavreado que não reconhecia como português, com poderes que nem sabe de onde vieram. Não interessava. Entrava sempre seja que personagem fosse, mais ou menos esquisita, naquelas histórias que o deixavam estafado ao ponto de cair num sono profundo assim que caia a noite. Adorava sentir o carinho com o qual o tratavam, ao acariciar com um produto refrescante cada folhinha, bamboleando-se discretamente, com os olhos fechados. Era feliz, assim, crescia sempre mais.
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