“Afastado do mundo dos sonhos por uns tempos, onde o encontrámos pela última vez, Rigel andou entretido na época de podas e cuidados especiais para o seu crescimento. Nessa altura, adorava entrar sem ser visto nas brincadeiras dos filhos do jardineiro que, no Verão, acompanhavam o pai na demanda por um espaço mais bonito, mais seguro, sem ervas daninhas ou fetos secos que ameacem o seu futuro. Pensava em si como o melhor guarda-redes nos jogos de bola, como o melhor guerreiro intergaláctico, fosse isso o que fosse, naquele palavreado que não reconhecia como português, com poderes que nem sabe de onde vieram. Não interessava. Entrava sempre seja que personagem fosse, mais ou menos esquisita, naquelas histórias que o deixavam estafado ao ponto de cair num sono profundo assim que caia a noite. Adorava sentir o carinho com o qual o tratavam, ao acariciar com um produto refrescante cada folhinha, bamboleando-se discretamente, com os olhos fechados. Era feliz, assim, crescia sempre mais.
Passados os cuidados, Rigel voltava então a sonhar. Ontem andava perdido num bosque denso, profundo, com dois caminhos pela frente, sem ajuda ou dica que facilitasse a sua escolha. As únicas certezas que tinha era que por um, o caminho era mais curto, mas o vale final mais vazio e nebuloso, e por outro, continuaria a aventura, podendo cair do precipício terrível do horrível Munch (vilão único nas aventuras da brava plantinha, representante do grande carvalho velho e seco que poderia, um dia, enfraquecê-lo por negligência do jardineiro), mas, ao mesmo tempo, encontrar o atalho seguro para o líquido mágico, que o tornaria inquebrável, e salvaria o jardim. Parado, procurou em vão o olhar atento de alguém que pudesse assegurar a sua decisão, evitando o grande tombo que, no pior caso, estaria à sua espera. Mas a escolha seria só dele. Lembrou então os grandes mestres, pensando na coragem daqueles que, há muitos anos, fizeram história. Sorriu pela experiência ganha nas horas nocturnas a ler, dos poemas aos grandes romances, onde encontrava entre as palavras o conforto necessário a cada momento. Agarrou-se a Pessoa, para quem “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, e a dele não era com certeza, queria crescer, e ia lutar por isso. Recordou ainda que como deus deu ao Mar o abismo e o perigo, espelhando nele também o céu, assim seria a sua busca, por um outro Mar, “invisível aos olhos”. Ergueu os olhos num movimento determinado, seguindo pelo misterioso percurso, que o podia condenar ao mesmo tempo à morte, e a uma vida grandiosa. Não queria ser um mero pé de amora, de raízes fixas num vale verde seco, calmo, mas atrofiado pela certeza que não poderia crescer. Via-se grande, forte e firme. E assim, arriscou.”
Etiquetas: Estórias Histórias Textos e Poesias
3 Olhares:
Que Rigel tenha boa sorte.
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:) sorte e coragem para não fugir entretanto, e voltar para trás. :)
beijinho
M.
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