2008/07/25

Caminho para o Jardim IV

“Deixando o jardim aparado e provisões para uns dias, o jardineiro tirou umas férias do cuidado prestado durante meses àquelas plantas, flores e árvores, do maior ao mais pequeno ser naquele paraíso terrestre. Rigel tem então, agora, o seu primeiro grande teste de planta madura, crescida, tendo de aguentar, sozinho, os dias que se avizinham, à primeira vista sombrios e frios, mas que poderão ser bastante úteis para superar a grande barreira que lhe falta – tirar as talas que o limitam, superando-se. No meio daquele tapete agora verde, sem ervas daninhas, o nosso pequeno pé de amora vê-se entregue por momentos ao desespero, desacreditando a força que efectivamente tinha ganho, ao crescer saudável e seguro. Tinha sido plantado por deuses, criaturas imunes aos problemas mesquinhos de humanos, com uma sensibilidade diferente e uma harmonia perfeita. Transmitiram para a plantinha todo o saber de anos de guerras e tempestades que tinham passado em ferozes combates, em tempos remotos, separados, dando-lhe a liberdade para crescer sã e feliz, no seu espaço, sem que os pequenos obstáculos a assustassem, ou pusessem em perigo a sua existência. Nunca tinha sido, por isso, problemático, depressivo ou mesquinho, sentia-se bem, tranquilo e calmo e como sempre, não se iria deixar sucumbir, com certeza, à primeira grande provação.
Levantou então a cabeça, trauteando o “Don’t Panic”, dos Coldplay, música que ouvia na companhia do jardineiro, profissional agarrado sempre a um pequeno rádio, criando a banda sonora dos seus encontros, e da sua vida. Fechou os olhos, e imaginou-se na sua aventura diária, em busca do líquido mágico, na posse do Munch, que vivia preso em armadilhas de pensamentos, com uma nuvem negra, quase como a de um adolescente complicado. Sabia que em confronto directo, as magias e artes místicas de uma paz e confiança divinas transmitidas pelos pais, dariam a Rigel a força para vencer, mas tinha ainda um longo percurso, e o pé de amora, como sempre, tinha sido forte para escolher o mais arriscado, mas mais prazeiroso também.
Tendo então prosseguido o caminho que já conhecemos, Rigel vê-se parado, a estabilizar a respiração, rodeado de vegetação densa, cujo final não consegue ainda discernir. Sem entender o porquê, no meio de mangueiras e fortes plantas tropicais, cujo nome nem consegue dizer, coexistem fetos e pinheiros mansos, arbustos de um clima muito diferente, revelando que tudo é possível para um pequeno pé de amora. Decide dar um passo de cada vez, sem se preocupar com o que virá a seguir, crente que quando tiver de decidir, saberá sozinho escolher o único lado que o levará ao paraíso, e que não o deixará morrer. Recorda os momentos em que a ajuda da lagartixa e de outros seres, dos quais se tornara, ao longo da sua vida, muito amigo, e a força dos deuses foram essenciais para continuar em frente, mesmo quando , angustiado, olhava para trás freneticamente, pronto a fugir dali o mais rápido que pudesse. Agradecia enquanto levantava a raíz dura para prosseguir mais um metro, mais uma etapa, indiferente aos olhos que, no meio da imensidão o fitavam. Não fora assim que o haviam criado, e não desapontaria ninguém.”

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