2008/02/27
2008/02/25
Dos Monstros Vencidos II...
O guerreiro pousa um pé firmemente no chão, pronto a aguentar o peso do corpo quase morto aquando da ascensão do mundo submerso. O alento para enfrentar o presente e a coragem de seguir o caminho que o aguarda vêm aos poucos, salpicando a alma com a frescura da água salgada num dia tórrido. Não queria estar noutro lugar, não quereria ser outro alguém neste momento, foi vivendo na certeza da sua construção, aprendendo que cada golpe o levaria ao que é hoje, e sente-se bem. Fita o Sol e sorri, pronto a recomeçar, aproveitando a garra que a persistência lhe deu.
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...
She'll let you in her house
If you come knockin' late at night
She'll let you in her mouth
If the words you say are right
If you pay the price
She'll let you deep inside
But there's a secret garden she hides
(...)
Secret Garden - Bruce Springsteen
2008/02/21
...
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
2008/02/20
Dos Monstros Vencidos...
Entre o tempo do agora e o que o feroz monstro, que ameaçara derrubar o guerreiro durante meses, morrera, não havia muito. Ferido da luta recente e de outras batalhas longínquas, cujo Mar curara os golpes profundos e o Sol atenuara o vermelho das cicatrizes, eis o cavaleiro, de joelhos, a olhar os campos defendidos de ogres medonhos e temíveis serpentes. O suor escorre pelos cabelos castanhos, mal-tratados de anos a usar um capacete pesado e fechado, de um aço mágico indestrutível. O corpo treme ao sentir o alívio por largar a primeira armadura, impenetrável, embora envergue ainda a rede de malha que não conseguiu tirar, para já. À sua volta tudo está finalmente calmo e tranquilo, mas de uma paz estranha ao guerreiro, habituado às fugas e combates de outros tempos, em que o negro era cor dominante. O horizonte está aberto, solarengo, azul. A planície é cortada apenas por umas montanhas imponentes que, ao longe, cortam o campo de visão e a esperança da serenidade eterna. Mas há ainda muito caminho pela frente até as encontrar, e o guerreiro terá de se levantar primeiro, quando o zoar terrível de guerra deixar os seus ouvidos e alguém lhe estender a mão com um pano quente, para limpar a cara e enxugar o suor e o passado. Sente o calor no corpo agora descoberto, tentando saborear cada brisa que passa, cada bater de asas que o rodeia, cada aroma silvestre dos frutos que ousaram crescer no campo, com a vitória. Baixa os olhos, no entando, o herói destemido, e deseja por hoje, só por hoje, ser o príncipe bojudo, quieto na sua poltrona confortável, limpo e desajeitado, sem temer nem esperar demasiado. Que alguém lhe afagasse o cabelo e os sonhos, massajasse as mãos calejadas de espadas pesadas e o coração. Que o tempo nesse momento parasse, e pudesse finalmente ter a certeza de um descanso comprido e certo, para recarregar energias, alegrias e sensações. Hoje, só por hoje, deseja ser o camponês, preocupado apenas com os factores da natureza, a proteger o seu pequeno pedaço de terra sem ambicionar nada mais dourado ou grandioso. Hoje, só por hoje, deseja ser um amor de uma vida, que chega a casa para o conforto da lareira acesa e do sabor dos momentos eternamente efémeros. E eis que continua quieto e sem se levantar, mergulhado no momento final do seu mundo antigo vencido, que renascera agora, novo e seguro, passados anos, das cinzas.
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2008/02/18
2008/02/15
2008/02/14
...
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa
Sophia de Mello Breyner Andresen
Repeat: "Will you be my Valentine?"
Feliz dia dos ex, dos futuros, dos potenciais e de todos os que optam por estar sozinhos. Feliz dia dos que se amam a si, ao próximo ou ao longíquo. Feliz dia dos platónicos, dos racionais, dos comodistas, dos especiais e dos banais. Feliz dia dos consumistas e dos hyppies. Dos que negam, dos que choram, dos que se revoltam e dos românticos iludidos. Feliz dia porque sim, porque não, porque talvez. Dos que querem, dos que não querem e dos que não sabem sequer. Dos burros falantes e dos suricates que mordem.
Ouçam o Respect, o I'm every woman ou Zé Cid (que também alegra eheheh). Vistam lingerie sexy, olhem-se no espelho e sintam-se bem. Dancem. Comam souffle de chocolate, quindins e cheesecakes. Façam jantares exóticos, com alguém ou apenas com o Malato. Comam morangos com chocolate fundido e champanhe. Excedam-se. O melhor deste dia somos mesmo nós, por sermos especiais e únicos, com ou sem alguém que também o confirme!
Feliz dia a tutti, como em todos os outros dias do calendário!
Ouçam o Respect, o I'm every woman ou Zé Cid (que também alegra eheheh). Vistam lingerie sexy, olhem-se no espelho e sintam-se bem. Dancem. Comam souffle de chocolate, quindins e cheesecakes. Façam jantares exóticos, com alguém ou apenas com o Malato. Comam morangos com chocolate fundido e champanhe. Excedam-se. O melhor deste dia somos mesmo nós, por sermos especiais e únicos, com ou sem alguém que também o confirme!
Feliz dia a tutti, como em todos os outros dias do calendário!
2008/02/13
Citações
Le poète jouit de cet incomparable privilège, qu'il peut à sa guise être lui-même et autrui.
Baudelaire
Dos Pés de Amora
Era apenas um pequeno pé de amora que crescera num sítio inóspito, desafiando a terra que a envolvia. Muito frágil e com poucos centímetros de bravura ainda, tapava-lhe o sol a sombra da copa de um velho plátano, que a amedrontava na sua imponência de um passado que não tinha. O pé olhava para a árvore anciã com o temor da sua fragilidade, esperando que a pouca luz, que ia recebendo pelas frestas que se abriam entre os ramos que não o cobriam, fosse suficiente para atingir aquele tamanho seguro. Sabia que a sua cor seria mais viva, os frutos mais saborosos, a sua existência mais alegre. Sabia-se um pé de amora, com tudo de bom que tinha para dar, mas era ainda muito pequenino e o vento era ainda inimigo feroz nas noites escuras em que se via isolado do mundo. Passava os dias a sentir a seiva que escorria no seu interior e fechava os olhos para apreciar o sabor da clorofila no verde que ostentava gracioso. Gostava que reparassem nele e o protegessem para ganhar o ar de um rei absoluto, pleno de si, grande e frondoso, cujo cheiro das amoras invadisse o campo e se tornasse insubstituível. Mas era muito pequeno ainda, valia-se apenas por si próprio, e assim sonhava-se crescendo, sem nunca desistir.
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2008/02/12
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E ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia.
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia.
Al Berto
Resposta a ti...
Associando o dia que se avizinha a uma conversa que tive com uma amiga minha atrevo-me a dizer que o amor são os moinhos de vento de cada dia. Aquilo de que todos pensam e falam, pelo qual lutamos aguerridamente e do qual nunca teremos a fórmula secreta. Amar não implica ser a alguém específico ou a uma situação, tem sempre de ser uma base de vida, de vontade de luta por algo que nos satisfaça plenamente. Amar não tem o dever e o impossível, não tem grilhões ou questões técnicas subjacentes, é uma busca contínua pela perfeição na imperfeição constante do nosso caminho. Pode nem ser o mais correcto, pode não ser o mais fácil, pode não ser o mais seguro, mas será sempre uma ambição do melhor, do total, do saceio do nosso lado mais corajoso, vestido de herói destemido e da compreensão do tímido, que fica na concha sem ousar sair. Amar é um ideal, um estado de espírito, um “não querer mais do que bem querer” e “nunca contentar-se de contente”. Pode desgastar-nos na sua vertente mais feroz, quando o deixa de ser para roçar a loucura. E revitalizar das cinzas num segundo de ternura. É a nossa essência revelada, em algo ou alguém desejado. É o tudo em nós e não é nada. É algo que simplesmente não se pode qualificar, havendo tantas definições quanto há de olhares, toques, sentidos. E todas as opiniões são inválidas, desajustadas, meros conselhos vazios, porque em cada um há um tempo de viver, sonhar, lutar, pesar, cair, e amar.
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2008/02/11
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Cruel o olhar da noite gelada
na paixão fugaz desejada
pelos tempos da escuridão.
Muda-me o nome, a terra, o ar
Cruzaria sempre o tempo que nos restar
para te agarrar forte na imensidão,
polar, que nos aquece e rodeia,
que te procura cega e anseia,
pelo grito heróico da revolução.
na paixão fugaz desejada
pelos tempos da escuridão.
Muda-me o nome, a terra, o ar
Cruzaria sempre o tempo que nos restar
para te agarrar forte na imensidão,
polar, que nos aquece e rodeia,
que te procura cega e anseia,
pelo grito heróico da revolução.
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2008/02/09
Em Paleio Futebolístico
Na vida há que vestir a camisola em cada jogo no qual entrarmos. Temos de ser sempre titular, nunca vermos a partida correr à nossa frente sem sermos intervenientes activos em cada segundo que passa. Bem arranjados, com as chuteiras bem apertadas e confortáveis. Começamos frescos e com a energia para dominar o adversário, embora saibamos que o cansaço virá algumas vezes. Temos de aguentar as fintas, as faltas, as tentativas mais agrestes de conseguir a bola, e assumir um cartão amarelo quando merecemos, tentando sempre evitar o vermelho. Agarrar as cores que empenhamos como estandarte invencível, sejam elas o encarnado, o preto e branco ou o verde e vermelho. Driblar, passar alto ou rasteirinho, consoante a ocasião. Marcar o outro, nunca descurando o fairplay, jamais esquecendo o eu que somos. E rematar sempre que possível, analisando todos os ângulos perdidos da baliza, para que consigamos derrubar o mais impenetrável guarda-redes, e atingir a vitória almejada.
"Quando
tu me vires no futebol
estarei no campo
cabeça ao sol
a avançar pé ante pé
para uma bola que está
à espera dum pontapé
à espera dum penalty
que eu vou transformar para ti
eu vou
atirar para ganhar
vou rematar
e o golo que eu fizer
ficará sempre na rede
a libertar-nos da sede
não me olhes só da bancada lateral
desce-me essa escada e vem deitar-te na grama
vem falar comigo como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos jogar"
Espectáculo - Sérgio Godinho
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2008/02/07
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Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.
Pablo Neruda
2008/02/06
...
Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humidade das bocas.
Vem, serenidade!
faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humidade das bocas.
Vem, serenidade!
faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.
Raul de Carvalho
2008/02/04
Início
O início do tempo deveria ser calmo e sereno. Deveria contar o momento do sonho que atravessa no mundo irreal. Deveria ter o sabor das cerejas frescas e sumarentas, de pintar a vermelho dentes, dedos e a alma. Deveria ser lento, leve e profundo como um rio, que vai para onde o futuro o levar. Deveria ser o hoje, nunca o ontem e talvez o amanhã. Deveria ser envolvido pelos véus das deusas gregas, pelo frio da parede gelada, sem medo, sem culpa. Mas o estranho estar roubou ao início o tempo das asas soltas. Que será talvez compensado pela continuação, alívio que se avizinha.