2008/02/13

Dos Pés de Amora

Era apenas um pequeno pé de amora que crescera num sítio inóspito, desafiando a terra que a envolvia. Muito frágil e com poucos centímetros de bravura ainda, tapava-lhe o sol a sombra da copa de um velho plátano, que a amedrontava na sua imponência de um passado que não tinha. O pé olhava para a árvore anciã com o temor da sua fragilidade, esperando que a pouca luz, que ia recebendo pelas frestas que se abriam entre os ramos que não o cobriam, fosse suficiente para atingir aquele tamanho seguro. Sabia que a sua cor seria mais viva, os frutos mais saborosos, a sua existência mais alegre. Sabia-se um pé de amora, com tudo de bom que tinha para dar, mas era ainda muito pequenino e o vento era ainda inimigo feroz nas noites escuras em que se via isolado do mundo. Passava os dias a sentir a seiva que escorria no seu interior e fechava os olhos para apreciar o sabor da clorofila no verde que ostentava gracioso. Gostava que reparassem nele e o protegessem para ganhar o ar de um rei absoluto, pleno de si, grande e frondoso, cujo cheiro das amoras invadisse o campo e se tornasse insubstituível. Mas era muito pequeno ainda, valia-se apenas por si próprio, e assim sonhava-se crescendo, sem nunca desistir.

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