Dos Monstros Vencidos...
Entre o tempo do agora e o que o feroz monstro, que ameaçara derrubar o guerreiro durante meses, morrera, não havia muito. Ferido da luta recente e de outras batalhas longínquas, cujo Mar curara os golpes profundos e o Sol atenuara o vermelho das cicatrizes, eis o cavaleiro, de joelhos, a olhar os campos defendidos de ogres medonhos e temíveis serpentes. O suor escorre pelos cabelos castanhos, mal-tratados de anos a usar um capacete pesado e fechado, de um aço mágico indestrutível. O corpo treme ao sentir o alívio por largar a primeira armadura, impenetrável, embora envergue ainda a rede de malha que não conseguiu tirar, para já. À sua volta tudo está finalmente calmo e tranquilo, mas de uma paz estranha ao guerreiro, habituado às fugas e combates de outros tempos, em que o negro era cor dominante. O horizonte está aberto, solarengo, azul. A planície é cortada apenas por umas montanhas imponentes que, ao longe, cortam o campo de visão e a esperança da serenidade eterna. Mas há ainda muito caminho pela frente até as encontrar, e o guerreiro terá de se levantar primeiro, quando o zoar terrível de guerra deixar os seus ouvidos e alguém lhe estender a mão com um pano quente, para limpar a cara e enxugar o suor e o passado. Sente o calor no corpo agora descoberto, tentando saborear cada brisa que passa, cada bater de asas que o rodeia, cada aroma silvestre dos frutos que ousaram crescer no campo, com a vitória. Baixa os olhos, no entando, o herói destemido, e deseja por hoje, só por hoje, ser o príncipe bojudo, quieto na sua poltrona confortável, limpo e desajeitado, sem temer nem esperar demasiado. Que alguém lhe afagasse o cabelo e os sonhos, massajasse as mãos calejadas de espadas pesadas e o coração. Que o tempo nesse momento parasse, e pudesse finalmente ter a certeza de um descanso comprido e certo, para recarregar energias, alegrias e sensações. Hoje, só por hoje, deseja ser o camponês, preocupado apenas com os factores da natureza, a proteger o seu pequeno pedaço de terra sem ambicionar nada mais dourado ou grandioso. Hoje, só por hoje, deseja ser um amor de uma vida, que chega a casa para o conforto da lareira acesa e do sabor dos momentos eternamente efémeros. E eis que continua quieto e sem se levantar, mergulhado no momento final do seu mundo antigo vencido, que renascera agora, novo e seguro, passados anos, das cinzas.
Etiquetas: Estórias Histórias Textos e Poesias
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