DR
Tenho a cabeça pesada esta manhã. Ontem fiz trinta anos, a festa foi dura. Todos os que rodeiam o meu presente vieram. Colegas de trabalho, família, amigos, a pessoa com quem decidi passar o resto dos meus dias (pelo menos enquanto essa coisa a que chamamos “para sempre” durar) … Senti a tua falta. Há seis anos que não apareces, devia estar habituada. Devia conformar-me com os caminhos diferentes que tomámos, com a vida que escolhemos ter. De certa forma estou, não queria mudar agora. Mas, devo confessar, às vezes, entre um ou outro dia atarefado, em que o turbilhão dos eventos mundanos cessa por momentos o seu caos, sento-me e lembro-me de ti. Penso como teria sido se eu tivesse deixado passar a mágoa, esquecido o passado, e tentado, só isso, tentado. Ontem passei por ti. Senti-te a olhar mas, enquanto trolls pesados me forçavam a virar a cara lentamente, a tua baixou com a rapidez de mil elfos velozes. Não nos cruzámos. É pena. Como dizia aquela música, aquela dos portugueses que estavam muito na moda na altura (caramba, bem dizem que a idade vai afectando a memória… e logo a minha, que nunca foi muito boa) … “já que estamos numa de eufemismos quero que saibas que ainda gosto muito de ti”. Era mais ou menos isto, penso eu. Gostava de ter tido a coragem de te abraçar, com força, de te fazer sentir firme e seguro. Gostava de não ter ligado às assombrações do tempo que passámos juntos, filmes que eu fui hiperbolizando, muitas vezes. Gostava de ter deixado o tempo correr e de ter acreditado em ti, uma última vez. Mas há sete anos eu era muito diferente, e naquela altura, não consegui esquecer, não consegui dar o passo que faltava. Não era o timing correcto, não me posso arrepender. Hoje está tudo calmo. Passo os meus dias tranquila e alegre. Sempre fui optimista, sabes disso, sempre sorri, ao menos isso. Gostava que viesses a minha casa, ver como tudo está disposto. Tenho a Orion no meu quarto, sempre esteve, em ti, na tua cara, em mim, a acompanhar-me. De resto, já quase nada remete para a tua presença, nem mesmo o Labrador que me acorda todas as manhãs, incansável. A nossa raça favorita, lembras-te? Tem dois anos agora, está lindo e grande. De pé já é maior que eu, acreditas?! Como todos dizem, “também não é preciso muito, não é?!”.
Estão a chamar-me... a puxar-me para a realidade. À minha volta a confusão tomou conta da sala, e tento abrir caminho, ainda a cambalear, até à voz que me procura. Tenho de te soltar novamente para o cantinho lá no fundo do meu pensamento… e do meu coração. Sabes que mais, continuo a mesma de sempre, melhor com a idade, há quem diga. Mas uma coisa te posso garantir, nunca me vou perdoar por te ter deixado ir. Por ter deixado o orgulho ser superior a todas as minhas forças. Agora vai, depressa, antes que alguém te encontre aqui perdido. E aparece só quando, e se, eu te chamar, pode ser? Vai. Esqueci. Voltei.