2008/10/27

Carta a um Amor Ausente

DR
Costumava olhar para a dança das árvores pela minha janela e sentir que tudo o que era importante estava ali, naquele balançar suave, quase eterno, como é a Natureza. Acordava com o sussurro de uma música primaveril, quando todas as cores se mostram em todo o seu esplendor, por aí, orgulhosas de si mesmas. Fechava os olhos para o toque das ondas que serpenteavam por todos os traços marcados pela história, firmes como a mão que me agarrava. Costumava partilhá-lo, contigo, e assim ficávamos, imóveis, desafiando o tempo.
Hoje a noite está mais fria, e o acordar, cada vez mais agreste e difícil, é agora uma tarefa digna dos mais corajosos guerreiros. Tocar ansiosamente os lençóis que ao meu lado estão vazios, na esperança de te encontrar, desperta para a realidade que te afastou para o mundo em que a ausência de sentidos é eterna. Maldisse horas sem fim o momento em que saíste da nossa história, como levado por uma mão divina, de um deus mais cruel do que o próprio destino. Nem esqueci a água atirada no caminho da porta à escadas, tradição de um povo milenar, para apressar o regresso de um ente querido que se vai. Mas tu não vieste. E as horas tornaram-se rastilhos incandescentes de uma bomba que não explode… nunca explodirá.
Sonhei-te minutos a fio, forçando-me a relembrar cada onda do teu cabelo, cada brilho no olhar, cada gargalhada que demos, todos os detalhes que faziam de ti quem eras, enquanto te observava, nos dias em que passeávamos pela floresta aqui ao pé da casa, que também era tua. Saí para observar as estrelas, naqueles dias em que era nosso o banco de baloiço, para cocktails de meia-noite e conversas serenas, confiante que virias comigo. Sem ti ali nada fazia sentido.
Agora, contudo, as árvores já não dançam, os pássaros já não cantam, o mar secou e nem a casa é a mesma. Caminho para outra praia, onde distintos pormenores captarão a minha paixão pela beleza, pela harmonia, pelo prazer. Trago-nos comigo em todos os passos descalça pela areia molhada, que adorávamos percorrer, a brincar, mas deixo-te aí, onde talvez te volte a encontrar… quiçá… um dia…

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