Ficção? III
Aquele pátio de centro comercial menor era bem iluminado. Com certeza, como acontece nos filmes, alguma das três câmaras dispostas nos bancos poderiam reconhecer a face daqueles que, no banco de trás, lhe tiravam a liberdade.
-- Agora vão vocês e eu fico com ela, depois vamos nós.
A voz mantinha a firmeza daquele que não podia deixar cair a máscara de agressor, sob pena de ver o seu lado humano vulnerável perante as vítimas que, naquele momento, deviam temê-lo apenas. Mafalda acedeu à ordem, e saiu, com o que, atrás de si, mantinha o boné enterrado, como um cão que ladra, ladra na penumbra, mas sem coragem de morder.
-- Não olhes para mim!
-- Fica descansado, não olharei. Mas como queres fazer?
-- Mostra o saldo!
-- Pode ser no ecrã para não gastar papel?
-- Pode!
Não tinha muito dinheiro. Não chegava sequer ao limite de levantamento diário por pessoa. Com ela sabia que também não iam longe. Seria toda uma acção praticamente em vão para os agressores, já que eram os rotos a roubar os mal remendados.
Dirigiram-se ao carro, de onde saíram, por sua vez, Inês e o temível, que mantinha a arma branca na mão, como lembrança de ameaça constante. O procedimento foi o mesmo, embora com maior lucro.
No carro, Mafalda tentava ocupar o silêncio que congelaria todos os seus músculos de temor conversando com o seu novo “parceiro de viagem”.
-- Tem um sotaque diferente, é estrangeiro não é?
-- Não, não sou daqui. Nasci aqui.
Estava a mentir, com todos os dentes que tinha, mas Mafalda não quis continuar. Seguiu a via da simpatia, quase jocosa, da qual já tinha um diploma de estudos avançados.
-- Olhe, então tem aí o meu telemóvel, que está estragado, mas ele custa 30 euros a arranjar na Nokia, que é já ali, com o dinheiro que lhe dei pode ir lá e ainda fica com o resto.
Incrédulo com a afirmação, o “companheiro” nem respondeu. Entretanto, chegaram Inês e o outro. Seguiram viagem, desta vez até ao local onde eles tinham entrado no carro. Sabiam então que provavelmente estaria para terminar essa jornada, curta em tempo real, mas longa para Inês e Mafalda.
-- Já agora, se não se importarem, ponham os cintos. Não vá a polícia apanhar-nos e somos todos multados.
Os dois obedeceram de imediato ao pedido. Inês sorriu perante o à vontade da amiga, que encontrava ainda formas de tornar a situação o mais normal possível. As duas continuaram a conversa, como se ninguém estivesse atrás, sobre trivialidades da chuva e do vento, até chegarem ao ponto exigido. Pararam. Antes de saírem do carro, o mais feroz ainda disse, meio entre dentes:
-- Agora sigam, não olhem para trás, e, se forem à polícia, nós sabemos onde ela mora.
“Ela”, a Inês, que ficou assustada com tal ameaça, cuja memória iria minar muitos dos seus regressos a casa do trabalho, do shopping, de qualquer destino, a partir daquele momento.
Assim que retomaram o caminho, agora sozinhas, um alívio enorme as fez rir à gargalhada do sucedido, enquanto Inês ia revelando as coisas escondidas no banco. Não sabiam o que fazer, se contavam ou não à polícia. Pararam na Praça principal da cidade, repleta de gente naquela noite primaveril, de saídas em grupo, confiantes de conseguirem telefonar a algum amigo que as ajudasse a pensar o caminho a seguir.
Mafalda sabia apenas um número de cor, um antigo amor, peculiar no seu trato, como a resposta iria mais uma vez comprovar, ao ser-lhe solicitada a presença na praça, uma vez que tinham sido vítimas de um assalto:
-- Oh Mas acabei de pedir a minha tosta mista, quando terminar vou aí ter.
Situação caricata. Muitos outros amigos teriam ido a correr, elas próprias esqueceriam tostas, lagostas, ou qualquer outro pitéu se tal sucedesse a alguém que prezassem. Mas ele era assim, ela conhecia-o demasiado bem para achar estranho ou mal-intencionado.
Quando chegou, com um amigo comum, elas explicaram a situação, e depois de muito ponderarem , decidiram ir à esquadra da PSP, questionar se deveriam ou não apresentar queixa. Pela primeira vez naquela noite, uma sensação de verdadeiro medo invadiu-as de rompante, não queriam estar ali, mas sabiam que tinha de ser .
Expuseram, calmamente, e sempre rodeadas de piadas e risos pela improbabilidade da situação, naquela cidade, naquele dia, a elas, o sucedido ao agente que, admirado com a leveza delas afirmou peremptoriamente:
-- Meninas, isso foi sequestro, é crime de ordem pública. Mesmo que não queiram terei de reportá-lo à Polícia Judiciária. Querem avançar vocês com a queixa?
Num acto de coragem assinaram a papelada já passava das 4 da manhã. No dia seguinte seriam contactadas pela PJ, que lembrariam sempre como os verdadeiros CSI.
(cont.)
-- Agora vão vocês e eu fico com ela, depois vamos nós.
A voz mantinha a firmeza daquele que não podia deixar cair a máscara de agressor, sob pena de ver o seu lado humano vulnerável perante as vítimas que, naquele momento, deviam temê-lo apenas. Mafalda acedeu à ordem, e saiu, com o que, atrás de si, mantinha o boné enterrado, como um cão que ladra, ladra na penumbra, mas sem coragem de morder.
-- Não olhes para mim!
-- Fica descansado, não olharei. Mas como queres fazer?
-- Mostra o saldo!
-- Pode ser no ecrã para não gastar papel?
-- Pode!
Não tinha muito dinheiro. Não chegava sequer ao limite de levantamento diário por pessoa. Com ela sabia que também não iam longe. Seria toda uma acção praticamente em vão para os agressores, já que eram os rotos a roubar os mal remendados.
Dirigiram-se ao carro, de onde saíram, por sua vez, Inês e o temível, que mantinha a arma branca na mão, como lembrança de ameaça constante. O procedimento foi o mesmo, embora com maior lucro.
No carro, Mafalda tentava ocupar o silêncio que congelaria todos os seus músculos de temor conversando com o seu novo “parceiro de viagem”.
-- Tem um sotaque diferente, é estrangeiro não é?
-- Não, não sou daqui. Nasci aqui.
Estava a mentir, com todos os dentes que tinha, mas Mafalda não quis continuar. Seguiu a via da simpatia, quase jocosa, da qual já tinha um diploma de estudos avançados.
-- Olhe, então tem aí o meu telemóvel, que está estragado, mas ele custa 30 euros a arranjar na Nokia, que é já ali, com o dinheiro que lhe dei pode ir lá e ainda fica com o resto.
Incrédulo com a afirmação, o “companheiro” nem respondeu. Entretanto, chegaram Inês e o outro. Seguiram viagem, desta vez até ao local onde eles tinham entrado no carro. Sabiam então que provavelmente estaria para terminar essa jornada, curta em tempo real, mas longa para Inês e Mafalda.
-- Já agora, se não se importarem, ponham os cintos. Não vá a polícia apanhar-nos e somos todos multados.
Os dois obedeceram de imediato ao pedido. Inês sorriu perante o à vontade da amiga, que encontrava ainda formas de tornar a situação o mais normal possível. As duas continuaram a conversa, como se ninguém estivesse atrás, sobre trivialidades da chuva e do vento, até chegarem ao ponto exigido. Pararam. Antes de saírem do carro, o mais feroz ainda disse, meio entre dentes:
-- Agora sigam, não olhem para trás, e, se forem à polícia, nós sabemos onde ela mora.
“Ela”, a Inês, que ficou assustada com tal ameaça, cuja memória iria minar muitos dos seus regressos a casa do trabalho, do shopping, de qualquer destino, a partir daquele momento.
Assim que retomaram o caminho, agora sozinhas, um alívio enorme as fez rir à gargalhada do sucedido, enquanto Inês ia revelando as coisas escondidas no banco. Não sabiam o que fazer, se contavam ou não à polícia. Pararam na Praça principal da cidade, repleta de gente naquela noite primaveril, de saídas em grupo, confiantes de conseguirem telefonar a algum amigo que as ajudasse a pensar o caminho a seguir.
Mafalda sabia apenas um número de cor, um antigo amor, peculiar no seu trato, como a resposta iria mais uma vez comprovar, ao ser-lhe solicitada a presença na praça, uma vez que tinham sido vítimas de um assalto:
-- Oh Mas acabei de pedir a minha tosta mista, quando terminar vou aí ter.
Situação caricata. Muitos outros amigos teriam ido a correr, elas próprias esqueceriam tostas, lagostas, ou qualquer outro pitéu se tal sucedesse a alguém que prezassem. Mas ele era assim, ela conhecia-o demasiado bem para achar estranho ou mal-intencionado.
Quando chegou, com um amigo comum, elas explicaram a situação, e depois de muito ponderarem , decidiram ir à esquadra da PSP, questionar se deveriam ou não apresentar queixa. Pela primeira vez naquela noite, uma sensação de verdadeiro medo invadiu-as de rompante, não queriam estar ali, mas sabiam que tinha de ser .
Expuseram, calmamente, e sempre rodeadas de piadas e risos pela improbabilidade da situação, naquela cidade, naquele dia, a elas, o sucedido ao agente que, admirado com a leveza delas afirmou peremptoriamente:
-- Meninas, isso foi sequestro, é crime de ordem pública. Mesmo que não queiram terei de reportá-lo à Polícia Judiciária. Querem avançar vocês com a queixa?
Num acto de coragem assinaram a papelada já passava das 4 da manhã. No dia seguinte seriam contactadas pela PJ, que lembrariam sempre como os verdadeiros CSI.
(cont.)
Etiquetas: Estórias Histórias Textos e Poesias
4 Olhares:
E o resto?
Sobre o resto ainda procuro nomes que me agradem para as novas personagens. :)
vou continuar a seguir com atenção...
Talvez o agente da PSP pensasse que as personagens estavam com os copos ;) ninguém teria vontade de rir e dizer tantas parvoíces naquela situação... :)
M.
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