2009/06/09

Ficção? II

Durante uns minutos, os primeiros, o máximo que puderam tentar perceber foi o grau de agressividade dos companheiros que, atrás, mantinham sempre um ar muito frio e agressivo. Mas não ambos da mesma forma. Apenas um ia falando e verbalizando essa violência, não pelas palavras, mas pelo tom que usava, como se fazer aquilo fosse prato normal do seu dia.
-- Ok, faremos o que quer, só não nos façam mal.
-- Não faremos, não se preocupem.
Era o mais alto, menos temeroso de mostrar totalmente a sua cara, enquanto a do outro estaria durante todo o tempo meia escondida pela pala do boné, que usava como máscara de tão para baixo que a colocava. Do retrovisor, Mafalda via apenas aquele que logo identificaram como, provavelmente, o mentor daquela situação, com um olhar decidido, e umas sobrancelhas que arqueavam perfeitamente como um vilão de filme, daqueles dos quais se sai da sala de cinema a temer a própria sombra.
Inês e Mafalda perceberam que a única forma de lidarem bem com a situação seria aquela que melhor sabiam, de dentro da sua força e cumplicidade, interagirem de uma forma simpática, sempre sorridente, quiçá escondendo o seu próprio pânico, ou procurando despoletar nos dois invasores alguma simpatia lá no fundo, para um final feliz. Mafalda seguia as ordens enquanto falava sobre trivialidades, permitindo a Inês, com o ruído que provocava, esconder os Ipods e o único telemóvel que tinha a certeza que não iria tocar por debaixo do banco, numa gavetinha quase invisível, para qualquer objecto menor ou documento. De tão discreta que foi, nem Mafalda percebeu bem as movimentações da amiga, ao lado, continuando em direcção a um dos locais mais escuros da cidade, onde foram mandadas parar.
-- Passem todo o dinheiro e telemóveis!
A ordem era clara, e foi cumprida com rapidez. Logo, as duas deram os telemóveis e abriram prontamente as carteiras para esvaziar todo o seu conteúdo que, para recém-licenciadas, no primeiro emprego, nunca seria muito. Mas era delas!
Passados uns segundos de hesitação uma delas ousa pedir os chips dos telefones, sem os quais perderiam todos os contactos com amigos, que moravam já noutras cidades, noutros países, com os quais não estariam facilmente para os reaver.
-- Com certeza!
A frase mais proferida por ambos, que autorizaram o pedido e logo tiraram o cartão, que devolveram sem resistência. Vendo o mais discreto, e ouso, mais pacato, em dificuldades para retirar o seu, Inês prontamente diz, a sorrir:
-- Ele tem uma manha para abrir a tampa, eu ensino como é.
E ajudou-o a conhecer o objecto que era, pela última vez, seu. Anéis e colares, que também pediam, não tinham nenhum de valor, apenas aqueles que podiam comprar nas lojas de acessórios, para complementar qualquer roupa que usassem. Menos mau.
-- Agora saiam do carro!
Disse, a medo, o boné falante, revelando a intenção primária de ficarem efectivamente com o carro, se não de algo pior. Naquela zona, nunca se sabe.
-- Não! Vamos apenas ao multibanco!
Retorquiu imediatamente, para espanto de ambas, o de ar mais pesado, o de semblante de criminoso nato.
-- Ok, e para onde querem ir?
Mafalda não sabia para onde conduzir. Multibancos havia muitos, e ela temia qualquer passo em falso.
-- Bairro do Pinote!
Um dos bairros mais temidos daquela região, nos quais, mesmo os autóctones se esquivavam de passar à noite, para não serem apanhados em tiroteios ou querelas alheias. Sem hesitar, e sem saber muito bem de onde, já que Mafalda sabia que para aí não podiam ir, tentou:
-- Bairro do Pinote?! Isso é muito longe! Há multibancos mais perto daqui, ali ao lado há vários.
“Ali ao lado” era uma zona comercial, muito iluminada, onde os carros passavam continuamente. Sentir-se-iam aí muito mais seguras do que no Bairro pedido. Havendo naquela zona três agências bancárias, pensou que as câmaras de vigilância as poderiam ajudar, quiçá, mais tarde. Estacionaram.

Etiquetas:

4 Olhares:

Blogger Bruno S :

O pior é que uma história dessas, no Brasil, não choca mais ninguém.

Seus interlocutores iriam esperar o final para também fazer seus relatos.

19:39  
Anonymous Margarida :

É, não choca quando ouvida não, mas sentida na pele muda sempre de figura.

13:17  
Anonymous Anónimo :

E o resto?

16:43  
Blogger Margarida :

O resto demorou por causa de viagens, tese de mestrado, e uma laringite teimosa, cuja medicação me deixa meia lenta. :P Peço deculpa desde já. :D Compensarei no relato das personagens da futura ficção IV :)

12:13  

Enviar um comentário

<< Home