Manhãs Longínquas
Acordou a sentir o calor do sol pelas persianas que deixava sempre entreabertas. Meia atordada com um sonho exaustivo, onde o dia se transformava numa luta pela sobrevivência da existência insubstitível, abriu os olhos com a certeza que cada amanhecer trazia novas aprendizagens numa terra que não era dela. Olhou ao redor as cores vivas, estivais, de um espaço em harmonia com a alegria daquele lugar que tinha escolhido para cenário da coragem à qual se prendera. O verde que conseguia perceber pelos buracos de luz do exterior não se assemelha ao do seu Mundo, de heróis e sultãos, terra desejada por reis e imperadores famosos. E suspirava, pensava o tempo de escolhas múltiplas, quando tudo estava em aberto, e o coração lhe permitia ainda abrir mais do que uma porta só. Levantou-se calmamente, habituando o corpo à humidade pegajosa, totalmente diferente do bafo quente do dragão magrebino ao qual estava habituada. O cabelo crescera entetanto, demasiado. Precisava de um corte, das tesouras longínquas e únicas a tocar no castanho brilhante que cuidava diariamente, ainda não confiava no desconhecido para empreender essa difícil tarefa. Todos os espaços naquela casa tinham já a sua marca, inconfundível, e sentia-se bem naquele T1, onde ouvia o rebentar do elo marítimo todas as manhãs, trazendo-lhe a energia que havia nascido com ela, perto daquele mesmo Oceano. Lá fora ninguém a queria, não desejavam a vinda de uma estrangeira com hábitos e passado muito diferentes, antagónicos e jocosos, mesmo, para alguns. Lidava com o ar de desprezo e superioridade vazia de algum transeunte ou lojista por onde passava quase todas as semanas e sentia as feições mudarem de semblante a cada palavra sua. Sabia que seria sempre assim, mas não se importava, era bambu com raízes intocáveis, nas quais ninguém poderia alguma vez interferir. Quando escolhera, em vão, o salto que se mostrara solitário estudara muito bem todas as consequências. Tomou o pequeno-almoço, apreciando cada fusão de sabores próprios daquele lugar, lembrando aventuras passadas noutros tempos. E saiu depois de vestir a saia com o top de alsas de uma marca que bem conhecia, ao contrário de todos os outros, sentindo que um dia seria especial, também ali, para alguém.
Etiquetas: Estórias Histórias Textos e Poesias
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