2009/01/25

Conexão Edimburgo - NY III

Os dias iam passando sem que voltasse aquela vontade de sair à rua e aproveitar as pints com os amigos ao final da tarde no Bobby’s, onde paravam imensos turistas ávidos de uma fotografia de um bem cuidado bar escocês. O inverno de Edimburgo também não convidava às saídas, a verdade era essa. A chuva podia tornar-se implacável e por mais que adorasse a cidade, reconhecia que, embora a neblina mística que a envolvia, tornasse ruas e jardins únicos e misteriosos, dignos de inolvidáveis cenários cinematográficos, ela não atraía a passeios naquela estação. Jamais entenderia também como conseguiam aquelas colegas e amigas que, em plena noite de graus negativos, saiam de casa como se morassem num país tropical, apenas com um casaco por cima, tudo pela feminilidade. Admirava-as, embora não fizessem de todo o género dele. Aliás, se ela conseguia antes trazê-lo livre e alegremente à rua, independente de qualquer adversidade, agora apenas uma razão restava: o futebol, fosse ele um dos protagonistas do jogo, ao qual se entregava ao ponto de chegar a casa com mazelas, que lhe mostrava orgulhoso pelo suor, pele e às vezes sangue dados pela equipa, ou mero espectador dos The Bhoys, que seguia com igual fervor e entusiasmo.
Particularmente neste inverno, entre um emprego que não o satisfazia, ao tempo que dedicava às grandes leituras para a tese que agora começava, ainda mais raros eram assim os momentos para outras correrias, que outrora perseguia com tanto vigor. Perdia-se entre a inércia das decisões diárias que julgava que subestimavam a sua formação académica, sempre à espera de algo melhor, e o reconhecimento da realidade cruel do crescimento para a idade adulta, que afasta amigos, colhe o tempo e turva a alegria. Nas divagações diárias, olhava frequentemente para a bússola deixada por ela, para trás, com a mensagem “encontra-te” escrita a dourado no objecto pequeno e muito trabalhado, como os usados pelos seus ancestrais para a descoberta do Mundo. Tinha o cunho das brincadeiras dela na sua existência, mas agora parecia tão sério, tão necessário, uma bússola, se não daquelas de outras quaisquer, que servisse na busca que ele próprio sentia como vital, do centro do labirinto que ele era. Não olhava para as fotografias dela, contudo, não porque não quisesse, mas, sentado normalmente na secretária, com o computador com vários gigas de sorrisos e felicidade, preferia deixá-las sempre na pasta fechada para não abrir distâncias e saudades. “Porque a saudade dói”, pensava, cada vez que a fraqueza a procurava à sua volta, tal qual uns lábios secos no deserto procuram a água que nunca mais chega. E essa dor, que muitos pensavam uma mera analogia a outras dores, era para ele igualmente penosa, física; calava as palavras deixando um nó doloroso na garganta, atingia o peito de tal forma que, um dia, havia ido a correr para o hospital, com medo que o terrível adiamento etário dos problemas cardíacos o tivesse atingido também. “É só um ataque de ansiedade, vá para casa e descanse”, avisou o médico, sem imaginar que não se descansa daquilo que nos persegue diariamente, nos invade a alma e corrói os pensamentos. Nesse dia, no caminho para casa, não entendia o que lhe acontecia; olhava para trás e via onde estavam os problemas que a afastaram e que, provavelmente, não a fariam voltar, mas não tinha como lhe ter dito algo diferente, ou fazer agora aquilo para o qual ainda não estava talhado, e nem sabia se alguma vez estaria, e essa mistura explosiva do querer e não conseguir eram um carrossel desgovernado, do qual a sua mente tentava escapar, em vão.
A verdade é que ele se sentia um Peter Pan, com medo de deixar o tempo seguir o seu rumo, evoluindo, e crescendo, imperturbável, e revelar marcas tão próprias da sua passagem, não só na cara que fica pesada ou o cabelo que cai, e que o faziam parecer cada vez mais com o pai. Mas até que ponto ele queria abrir os braços a um futuro que, cortando com o passado, o levaria a sítios tão desconhecidos e, ao mesmo, desafiantes, tendo de tocar nas raízes de infância, para tratar de outras? “O crescimento é um processo gradual, e, acreditando em si, encontrará o que procura”, dissera-lhe uma terapeuta, há alguns meses, quando ainda acreditava que esse poderia ser o caminho… três sessões chegaram para saber que estava nele o trilho a seguir, e desistir da especialista… restava saber apenas onde o encontrar.

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