Carta à Nostalgia da Areia
Reza a história, a minha, que não perturbará o rumo da História, essa sim, que molda o barro no qual vamos girando, que, no primeiro momento em que senti a areia, com meses ainda, estranhei, e bem, aqueles grãos secos, que faziam cócegas entre os meus dedos pequeninos dos pés. Perante a remota possibilidade da minha antipatia face àquela que seria para sempre um contínuo na minha vida, e fonte de energia dos meus progenitores, e mais tarde a minha, estes deram a batalha como vencida, mas nunca a guerra, mudando a estratégia de reconhecimento de terreno, para uma abordagem menos directa. Sentadinha com encosto, muito descansada a olhar o mar como sempre gostei de fazer, sem proferir palavra, em cima de uma toalha, inevitável seria a aproximação da areia à minha mão, muito despercebidamente, como se, num segundo, tivesse eu magicado aqueles grãos, que surgiram do nada. Foi paixão imediata. Desde então, grande parte do meu imaginário de criança tem como pano de fundo o horizonte azul, que a pouco e pouco fui entendendo, que vai abraçando, suavemente, a areia, na qual eu também adorava rebolar, pelas dunas, quando a minha (in)consciência ecológica ainda me permitia fazê-lo. Talvez tenha sido mesmo aí que desenvolvemos, eu e os meus primos, a capacidade criativa de traquinas que, sem os rebuscados utensílios que existem hoje, criavam histórias de astronautas, reis, pilotos de fórmula um, e tudo o que nos lembrássemos apenas pela transformação daquela matéria-prima em qualquer objecto que nos fosse imprescindível, desde naves espaciais elaboradíssimas, a castelos fantásticos (que, assumo, ainda hoje gosto de fazer). Lembro igualmente de como a minha ajuda na tarefa diária de puxar a rede, quando o sol ainda se mostra com todo o seu esplendor, mas já não ferve nas costas, era fundamental, no meio daqueles homens e crianças que se juntavam aos bois a tirar a pescaria do dia, a ser vendida mesmo ali (quando ainda não haviam essas instituições que com o intuito de ajudar, ferem tradições e colhem a genuinidade de alguns gestos só nossos). Assim que os pescadores, de pele bem bronzeada, boné muito encaixado e camisa de mangas dobradas até ao cotovelo, que fotografei com a minha retina, começavam a chamar, lá ia eu a correr, de onde estivesse, não fossem eles precisar de um ET, um Rei magnífico ou até de um Schumacher naquela tarefa. Ao me afastar da praia, quando o tempo muda, as folhas do Parque caiem e a areia fica fria, invejava em surdina aqueles que devotavam a vida àquela que eu adorava, permanecendo todo o ano, com a aparência de ser sempre Verão. Também eu desejava que a época estival nunca acabasse.
Hoje, já apenas uma só, coberta de agasalhos que o frio exige, com o sol tímido, que trespassa intermitentemente um vento pacifista, fecho os olhos e penso que tudo o que quero está ali, comigo, naquele banco de madeira salpicado de areia, reflectido no laranja do astro que adormece, e que olha, encostado a mim, o horizonte azul. Sem palavras, só assim. Tudo.
Hoje, já apenas uma só, coberta de agasalhos que o frio exige, com o sol tímido, que trespassa intermitentemente um vento pacifista, fecho os olhos e penso que tudo o que quero está ali, comigo, naquele banco de madeira salpicado de areia, reflectido no laranja do astro que adormece, e que olha, encostado a mim, o horizonte azul. Sem palavras, só assim. Tudo.
Etiquetas: Cartas
3 Olhares:
Quer trocar?
Aqui tá um calorão só. Mal dá para ficar na rua.
Beijos.
eheheh pois, mas eu sou aquela que aguenta muito melhor o calor, mm que seja "um calorão" do que o frio. :)
trocava na boa portanto. :)
beijinho
M.
http://www.youtube.com/watch?v=WymQzTmZx4Q&feature=related
beijinho ;)
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