2008/12/24

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Não vejo. Não sei se por não ter como ou se por não querer. As estrelas vão alinhando à minha frente, mas será para mim que elas dançam, ou para outro tão cego quanto eu, que não vê o brilho que emanam? Ou será o cheiro? Não sei, eu não vejo. Nem sinto, não quero, nem sei se existo para querer. Ontem, no murmúrio de uma viagem, uma locutora duma rádio pirata fitou-me nos olhos, atravessou a minha cegueira e disse: vai e conquista! Mas seria para mim? Como, se eu estou mais cego do que aqueles que, por azar do Fado, tão português, traçado para eles, não podem efectivamente ver? Eu posso, mas não quero. Ver cansa, ver dói, ver dá trabalho. Observo os ponteiros que se sobrepõem, uma vez mais, nos meus dias, sei o que significa, mas quererei saber? Não quero… eu nem os vejo! São apenas um belo acaso que, em todo o caso, se deve ao atraso que lhes dei ao consertá-los. Fui eu que assim defini. Não te vejo neles, não podes ser assim, tão para mim. Ninguém pode, eu não mereço. Ou será que sim? Quem não vê, não sente… E eu não quero sentir. Quero passar o tempo anestesiado pela ignorância da escuridão, não daquele que não vê, porque esse vê mais do que eu, mas daquele que não quer, que esse não vê nem o mundo a desabar à sua volta. Não sente o frio, é mais fácil. O frio abre feias feridas na alma, e eu já nem sei se a tenho para sofrer com isso. Saí à rua a tropeçar em amoras silvestres que tenho de cuidar, para que o meu jardim não se torne mais seco e agreste que o Sahara todo ele num só pedacinho muito meu, mas como, se eu não vejo? Saberei tocá-las com toda a atenção devida, e alimentar os deuses e a minha força? Tenho medo de perdê-las, por isso cego, é protecção diária contra o que não sei se alguma vez saberei, ou chegarei perto. O meu coração bate, por elas, por ele, o pé, aquele que nasceu e cresceu, assim, porque tinha de ser, porque estava escrito. Mas eu calo-o… afinal, nem sei ler! Fico longe, assim, cego, perdido nos passos que não dou, nas palavras que não consigo discernir, nos olhares que não enxergo significado. Sinto muito, com a força dos abraços que te dou, mas temo, estou cego!

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