2008/09/22

Conexão Edimburgo-NY I

Levantou-se rapidamente para descer até ao rés-do-chão. O Sol ainda mal tinha despontado, mas ele sabia que ia ser um dia em cheio, daqueles em que o tempo passa a correr e o que fica para tudo o resto é demasiado escasso. Por isso tinha de correr antes que a figura que dormia ao seu lado acordasse, antes que os que os acompanhariam na jornada dessem pela sua súbita vontade de manter o contacto com aquela que fazia o coração bater, e a alma voar. Ligou o computador com a calma de um silêncio obrigatório, suavemente puxou a cadeira para trás e sentou-se apenas na ponta, aquela que não o comprometeria com barulhinhos estranhos. Seriam apenas insónias que o levariam até à frente do logótipo do sistema operativo que ia carregando, reflectido nos olhos raiados do sono, ou da ansiedade? Ou precisaria ele de saber que, não seria ele, um único dia, a largar o fio que os agarrava, distantes, e tão perto como da primeira vez que dormiram juntos sem se tocar? Não conseguiria voltar ao computador mais tarde, não poderia falhar. Recorda, enquanto abre a barra de tarefas nos tons cinza que escolheu para o seu ambiente de trabalho, essa noite; estava muito frio, aquele frio que normalmente toca Edimburgo, com um nevoeiro húmido, propício a todas as histórias contadas por gerações sobre assassinos e fantasmas. Aquela estava particularmente gélida, e juntarem-se nos lençóis polares, a grande salvação nos momentos em que o aquecimento da casa decidia tirar férias, era a única possibilidade de a aguentarem. No dia seguinte jogaria o Celtic e, como bom detentor do estatuto de sócio, juntar-se-ia a mais três ou quatro amigos no evento, deixando-a a dormir, descansada, sem imaginar que essa seria a última vez que conseguiria sair sozinho dessa cama. Actualmente estavam separados, mais pela força de tudo o que os distinguia do que o que sentiam, e ambos sabiam disso. Edimburgo parecia, sem ela, uma cidade abandonada, na qual estava a tentar readaptar-se à vida anterior, aquela onde nunca havia sonhado com a existência de mundos onde o céu e a terra se tocavam, onde na loucura da diferença surgia a unicidade de dois seres em total sintonia, quase mágico. Relembrava a quantidade de vezes que olhava para os olhos dela em êxtase na rua principal que descia do Castelo, aos primeiros acordes de uma gaita-de-foles, tocada por um escocês vestido a rigor, sempre no mesmo sítio, perto do caminho estreito que levava à Universidade. Era nos pormenores que ela ganhava a todas as outras, e em conjunto, despertava nele tudo o que queria ser. Abrir o explorador de Internet não foi difícil, felizmente a evolução da Internet poupou-o dos sons irritantes dos modems de outrora, e eis que poderia na sua simplicidade, dizer em poucas palavras, as que usava normalmente, já que não era pessoa de grandes declarações ou floreados, dizer um “estou aqui, estou a pensar em ti, não te esqueço”, mascarados por detrás de um comentário qualquer de mais uma curiosidade que só ela entenderia. Sempre haviam comunicado muito mais por metáforas, entendendo-se nos códigos completamente ininteligíveis para os outros, do que nos rituais banais daqueles que se adoram. Haviam sempre fugido do romantismo fantasioso e fantasiado por horas dispendidas à frente de filmes e histórias ficcionadas, tinham uma dinâmica muito própria que transparecia a todos os que os conheceram. Carregou o enter para o envio do email e desligou numa correria o computador, não fosse aquela com quem estava agora acordar e entrar subitamente nos meandros daquela mente complicada. Tinha sido durante muito tempo a pedra basilar da sua noção de relação a dois, não podia sentir que tinha sido ele a estragar tudo. Subiu as escadas para o quarto a pensar nos quilómetros que os afastaram com a viagem daquela cujo sorriso não esquecia, e a saudade só aumentava, para o outro lado do oceano, e naqueles que ainda faltavam para voltarem a encontrar-se. Esperava, todos os dias, especialmente aquele que tinha pela frente, aguentar o dilema que o desgastava, do qual não poderia soltar-se levianamente. Teria forças para deixar tudo e voar até onde a aventura do desconhecido o poderia engolir de um só trago, e ao mesmo tempo dar-lhe muito mais alegria do que poderia imaginar?

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