2008/05/20

Passos

É no silêncio que observas a incongruência do discurso. Desligaste por momentos o som vazio e estridente que sai da televisão para preencher a solidão que te assombra, como se fosse o amigo que não está lá. Não é isso que queres, há algum tempo que aprendeste a sentir-te bem com os teus pensamentos e palavras caídas no caos do teu mundo, requerendo a máxima organização na sua arrumação, e nisso és já exímia. Os instintos de felino que se aprimoraram, ajudam a trilhar o caminho que dás com alguma precaução, deixando para outros a leviandade de saltos no abismo. Arrumas tudo na mala gasta do uso que não largas enquanto servir e sais à rua, naquele frio de Dezembro, em que o ar gelado te corta a cara, fere os olhos e prende os sorrisos. Em cada passo pela calçada gasta, que precisa aqui e ali de uns arranjos, de umas pedras pretas a completar flores e corações, pensas o quanto gostarias de não estar ali, sentes demasiada falta da coragem que não tiveste. Queres soltar o mundo preso num só grito bem forte e largar o tempo que te afastou da praia calma e só tua que encontraste outrora. Olhas o relógio, estás atrasada para chegar ao local combinado que nem tu sabes muito bem qual é ou o que te espera. Tropeças num dos buracos da calçada gasta, acordas. Tentas acalmar a respiração ofegante que te deixou o reflexo dos teus temores, e tocas o vulto ao teu lado, onde a curva é mais que perfeita. Voltas a fechar os olhos, confiante de que conseguiste sem te perder, que finalmente sabes onde e com quem queres estar.

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2 Olhares:

Blogger Bruno S :

Bom texto.
Mas e aí, onde quer estar?

14:46  
Blogger Margarida :

O texto é ficcionado, mas quero estar onde a personagem está, podendo tocar o vulto ao meu lado, onde a curva é mais que perfeita. :P

15:16  

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