Que música escutas tão atentamente que não dás por mim? Que bosque, ou rio, ou mar? Ou é dentro de ti que tudo canta ainda?
Queria falar contigo, dizer-te apenas que estou aqui, mas tenho medo, medo que toda a música cesse e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio com que teces os dias sem memória. Com que palavras ou beijos ou lágrimas se acordam os mortos sem os ferir, sem os trazer a esta espuma negra onde corpos e corpos se repetem, parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim, ó cheia de doçura, sentada, olhando as rosas, e tão alheia que nem dás por mim.
Passamos pelas coisas sem as ver, gastos, como animais envelhecidos: se alguém chama por nós não respondemos, se alguém nos pede amor não estremecemos, como frutos de sombra sem sabor, vamos caindo ao chão, apodrecidos.
Eugénio de Andrade
Porque o pior que podemos fazer é passar pelas coisas sem lhes tocarmos.
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Que música escutas tão atentamente
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
Eugénio de Andrade
Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.
Eugénio de Andrade
Porque o pior que podemos fazer é passar pelas coisas sem lhes tocarmos.
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